segunda-feira, 23 de maio de 2011

Eu Me Lembro

Eu me lembro. Me lembro do local, da noite, da hora. Lembro-me do cheiro, do clima e do som. À beira lago, céu aberto, noite clara, iluminada pela lua e pelas centenas de estrelas visíveis, fundindo átomos a anos-luz de distância, queimando. A noite estava quente. Uma leve brisa trazia o cheiro da água e só se ouvia o som dos transeuntes distantes. Me lembro do gosto amargo da boca seca e da distância que parecia exorbitante. Me lembro do nervoso, da vergonha, do medo e do coração acelerado. E de repente tudo se desfez, ficou distante. Eu me lembro do perfume doce que sobrepujava o fraco cheiro da água, me lembro da voz, suave, calma e ao mesmo tempo decidida, que tornava o som dos distantes transeuntes ainda mais distante. Me lembro da leve brisa que movia seus longos cabelos negros, fazendo-os cair sobre a face e que com movimentos tímidos eu os levava dalí. Me lembro do toque da pele branca e macia, mais quente que a noite e do brilho nos olhos, delineados, hipnóticos, sedutores, mais intenso que o brilho longínquo das estrelas no firmamento. Um olhar profundo e aconchegante. O lindo sorriso de canto de boca, um convite nos lábios. Me lembro da distância que era curta, e tornou-se nula. Me lembro principalmente do sabor do beijo, um beijo doce, carinhoso, indescritível. Gosto de "quero mais". Me lembro do dito e do não dito, me lembro e sinto. Eu me lembro do brilho, da voz, do sabor, do cheiro, do calor, da hora, da noite, do local. Cada detalhe, como uma fotografia gravada na memória. Eu me lembro dela.



(Publicado originalmente em minha página no Facebook )

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Efeito Dominó

Poderia ter sido um dia normal, como outro qualquer. São 22h53min agora. O celular arremessado contra a parede descansa em frangalhos no chão. Amanhã vou ter que comprar outro e o fogão novo vai ter que esperar mais um mês, assim como a calha do telhado, que se foi durante uma tempestade. Mas que se foda, essa merda tem estado assim há anos mesmo. Eu poderia comprar umas caixas de cerveja e fazer uma puta festa com esse dinheiro, mas estamos no século vinte e um, e na era digital ninguém vive sem um celular. Preciso entrar em contato com alguns clientes e meu chefe precisa me ligar na hora do almoço para garantir que eu passe o resto do dia irritado, não deve haver outro motivo.
            Acordei às cinco e meia da manhã ao som de "Carry on Wayward Son", Kansas, e me coloquei aos afazeres matutinos que precedem a minha ida ao trabalho. Moro na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Campo Grande, a 54,5 quilômetros do centro da cidade, onde trabalho. Realizo o trajeto diariamente a bordo de um ônibus do tipo "frescão", com ar refrigerado, cortinas, poltronas reclináveis e o caralho a quatro. Coloco os óculos escuros para diminuir a claridade das janelas que os outros passageiros teimam em deixar abertas para lerem jornais vagabundos, e vou dormindo ao longo das aproximadas duas horas de viagem, na tentativa de compensar o tempo que não tenho para dormir em casa. Fica difícil fazer isso devido à distância do trabalho e ao curso noturno na faculdade. Antes de pegar o frescão e pôr fim ao intervalo do meu sono, pego um ônibus para o centro de Campo Grande, totalmente oposto ao frescão. Demorado, caro, pequeno e lotado e fodido. Coisas do subúrbio. Eram seis horas da manhã e lá estava eu esperando o ônibus. A manhã estava um pouco fria e ventava forte, talvez chovesse mais tarde - como descobri que aconteceria. Dez minutos depois avistei o tal ônibus dobrando a esquina, e realizei um ritual de conferência de objetos, chaves, carteira, celular. Celular. Foi ai que a coisa começou eu acho. Levei a mão ao bolso e percebi que meu celular - aquele mesmo que agora se encontra destruído em frangalhos no chão - não estava lá. Pensei rápido e para a minha infelicidade resolvi que voltaria em casa para buscá-lo. Não poderia ser tão ruim, me atrasaria no máximo dez minutos, nada que fosse um problema. O resultado foi que passei meia hora esperando outro ônibus e quinze minutos depois estava dormindo no frescão, rumo ao centro da cidade. Acordei com meu celular tocando e, ainda desorientado pelo sono, atendi meu chefe que nem me disse um maldito bom dia.
- Onde você está? - ele perguntou.
- Estou no ônibus, logo estarei ai.
- Você sabe que horas são?
Não fazia a menor idéia. Limpei os olhos cheios de remela, olhei o relógio com a visão embaçada, e identifiquei que já passava das nove e meia da manhã.
- É eu vi. É o trânsito chefe, você sabe como é - sabe porra nenhuma - mas logo estarei ai, fique tranqüilo.
- Ok.
E desligou. Olhei pela janela e ainda estava na Avenida Brasil, a artéria que leva as células trabalhadoras ao coração da cidade, entupida dessa nicotina de carros, ônibus e vans em excesso, um câncer no organismo vivo da cidade, que pensando bem, não passaria de uma massa orgânica amorfa e escrota se fosse realmente viva. O Trânsito permaneceu lento, pra não dizer parado, agravado pela leve chuva que começara a cair. Descobri mais tarde que, além disso, um caminhão havia tombado e congestionado o trânsito. Descobri mais tarde também, conversando com um amigo que faz o mesmo trajeto, que meia hora antes, teria evitado o congestionamento. Isso lembra alguma coisa?
            Cheguei às dez e meia da manhã no trabalho, com cara de sono, e entrei numa discussão com meu chefe, sobre meus atrasos. Confesso que não tenho uma pontualidade muito precisa, mas o que posso fazer? Dependo do maldito trânsito, e a Av. Brasil é uma caixinha de surpresas. Meu chefe não quis saber da história do caminhão, e me deu um ultimato: Se eu chegasse meia hora atrasado a partir daquele dia, estaria demitido. Como não me restavam opções, fui trabalhar normalmente. Reduzi meu tempo de almoço e saí às 19h30min do trabalho, demasiadamente atrasado para a aula. Peguei o trem às 19h46min, e se tudo corresse bem, em meia hora estaria na faculdade. Mas as coisas não correram bem. O Trem quebrou entre duas estações e, a única solução foi descer do mesmo em meio aos trilhos e, embaixo de chuva, andar até a estação mais próxima. Naquela altura do campeonato, atrasado, molhado, e puto, mandei a aula pro caralho e resolvi que iria direto pra casa. Segunda feira é dia de buscar minha namorada, no curso inglês e teria que sair mais cedo da aula mesmo, aproveitaria pra tomar um banho e descansar um pouco. Esperei por meia hora até que outro trem aparecesse, provavelmente devido à obstrução dos trilhos causada pelo trem anterior. A viagem prosseguiu sem problemas durante a meia hora que se seguiu, até ser interrompida novamente devido a “problemas técnicos”. A linha de trem do ramal Santa Cruz atravessa algumas regiões favelizadas da cidade, onde há concentração de criminosos e traficantes, que estão sempre disputando território. Hoje foi dia de disputa em Padre Miguel, e como os confrontos acontecem nas imediações da linha do trem, o mesmo foi forçado a parar e esperar até que todo aquele bando de filho da puta se matasse. Ficamos esperando por vinte minutos no meio do nada, trancados dentro do trem, aguardando o prosseguimento da viagem ou alguma satisfação pela demora. Nenhuma das duas veio, e o trem retornou a estação anterior, liberando os passageiros para irem pra casa da maneira que bem entendessem, e foda-se o dinheiro já gasto na passagem. A essa altura, já não seria nem mesmo possível ir buscar minha namorada no curso, e decidi ligar para avisá-la. Retirei o celular do bolso apenas para descobrir que a bateria havia acabado. Mas que inútil filho de uma puta! Procurei telefones públicos na estação e encontrei dois deles, ambos inúteis. Um deles havia sido vandalizado, o telefone arrancado, sobrando apenas o fio solitário pendendo na cabine e os anúncios de travestis do tipo "quase mulher" colados na mesma. O outro telefone simplesmente não funcionava. Esperei. Minha namorada não. Cheguei em casa ainda a pouco, e tive uma briga com ela, que desligou na minha cara. Atribuí imediatamente a culpa ao celular, e atire-o contra a parede, deixando-o em frangalhos como havia dito anteriormente. Enchi uma taça de vinho, tomei um trago, sentei-me na poltrona e fiz um retrospecto dos eventos. Fui acusado de ser um irresponsável pela minha namorada, após ter ficado horas preso num maldito trem, enquanto bandidos tentavam abrir um segundo cu uns nos outros, estando eu totalmente molhado devido a caminhada pelos trilhos, culpa de um trem avariado, além de ter perdido aula, e ter sido ameaçado de demissão em caso de atraso. Contemplei o celular estraçalhado no chão, e lembrei-me que ele era meu único despertador. Parece que amanhã será um longo dia.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Insônia

01h35min da manhã. Acordei meia hora atrás e desde então não consigo dormir. Tenho insônia. Lá fora as sombras se esticam pela cidade sob a luz incandescente dos postes. Chove forte. As sombras, luzes, postes e tudo mais se tornam bruxuleante aos olhos. Não há relâmpagos, não há trovões. A cidade dorme em silêncio, exceto pelo som das gotas de água atingindo o solo, erodindo-o lentamente. O cheiro de ozônio invade minhas narinas. Cheiro bom. Cheiro de chuva. As gotas investem contra as janelas pelas quais eu observo este cenário. Estou seguro aqui dentro. Seguro da chuva, da noite, do frio. Não há energia elétrica em minha casa, não há luz, apenas a pouca iluminação que entra pela janela formando figuras obscenas e desesperadas nas paredes, como se a própria luz quisesse fugir da chuva, da noite e do frio. Besteira. Viro-me de costas para as janelas, minha sombra se estica no chão da sala. O cômodo dorme em completo silêncio, exceto pelo som fantasmagórico da minha respiração pesada. O ar entra, o ar sai, erodindo meus brônquios, minha traquéia, oxidando cada célula. Coisa boa, coisa ruim. Vou até o mini-bar e me sirvo com uma dose de Uísque Chivas 12 anos, me sento na poltrona, virada para a janela e tomo um trago, esperando que o álcool e o espetáculo hipnótico de luzes e chuva tragam fim à minha insônia. Lá fora os postes piscam, ameaçando a cidade com o vislumbre da completa escuridão. Maldita light! Tomo um trago. Isso ainda vai me matar. O Uísque ainda vai me matar. A insônia ainda vai me matar. O ar ainda vai me matar. Traidor! O vazio, as sombras, a luz, a chuva, os postes, a noite, a cidade, todos ainda vão me matar. Os postes começam a piscar com maior freqüência. Que diabos! A madrugada zoa de mim em código Morse: "Ei, otário! Não consegue dormir? Perdedor! Vem aqui fora que vamos te levar para o sono eterno, seu babaca!". Escuridão. Os postes se apagam de vez. Tomo um trago. O som da chuva se torna mais forte, como uma torcida berrando em um estádio. Fecho os olhos, eles são inúteis agora. Rezo hipocritamente pela graça do sono, enquanto no fundo minha mente vaga por flashbacks do dia, e da vida. Gosto disso. É meu arauto do sono, quando me perderei em meio a torrente de pensamentos e acabarei em um sonho. Começo a relaxar. Sinto o copo de uísque escapando de meus dedos, puxado para baixo pela impiedosa gravidade. Vai quebrar. Foda-se, contanto que eu durma. O som da chuva parece cada vez mais distante, perdendo intensidade em um fade - out lento, sonolento. Au! Au! Susto. Copo no chão. Cachorro filho da puta! Não é meu, não tenho animais de estimação. É do vizinho, velho, e surdo. Deve ser fácil dormir nessas condições. Pensei em ir até lá e acordá-lo apenas para dizer: "Ei, babaca, seu cachorro me acordou.", mas não faria diferença. Estico o braço tateando em busca da garrafa de Chivas, quase a derrubo, e tomo um trago, depositando em seguida a garrafa entre minhas pernas. Um relâmpago corta a escuridão, e a luz invade momentaneamente a sala, como um flash de máquina fotográfica. Deve ser isso. A madrugada zombando de mim novamente, registrando esse momento patético. Um bêbado insone agarrado a uma garrafa de Uísque, sentado em uma poltrona, sozinho em meio a total escuridão. Patético. Percebo que a chuva começa a diminuir e em cerca de vinte minutos – pode ter sido uma hora, não sei - ela cessa totalmente. O silêncio agora é absoluto, assim como a escuridão. Sinto-me uma pedra de gelo imersa em um drinque dos infernos. Um terço de uísque, um terço de escuridão e um terço de silêncio. Insônia é o nome do drinque, servido pelo próprio capeta, que no momento, deve estar dormindo. Só posso esperar que como nos drinques, a pedra de gelo se dilua. Tomo mais um trago e afundo na poltrona, deixando minhas forças se esvaírem e meus pensamentos vagarem soltos. Acho que dessa vez vai funcionar, e funciona. Durmo. Mas tem algo errado, eu sei que estou dormindo. Não consigo mais mexer o corpo, devo ter me entorpecido. Mas não é isso, estou dormindo. Posso sentir. Diabos! Ninguém pode sentir que está dormindo. Ouço meu ronco, começo a me desesperar. Preciso acordar! Tento gritar. Acordo. Estou sentado na cama. Olho o relógio, 03h05min da manhã. Deve ter sido um pesadelo. Escuto a chuva lá fora. O ventilador de teto está desligado, não há energia elétrica em minha casa. Deito-me novamente. Não consigo dormir.

sábado, 7 de maio de 2011

Naquela Noite

Lá estava ela, perfeita em suas curvas. Seu corpo suava lentamente, era possível acompanhar as gotas escorrem por toda a sua extensão, sua silhueta. Eu suava também, calor da porra, calor do momento. Segurei-a firme, a tomei pela boca, e logo ela escorria pelos meus lábios, descendo pelo meu peito, suavemente, até alcançar minhas partes mais íntimas. Que delícia. Eu a consumia, ela me consumia, troca justa. Uma nova pausa, e eu me reservo a contemplá-la. Um sorriso de canto de boca. Ela estava perfeita. Talvez ela fosse perfeita, mas dizer isso seria hipocrisia. Conheci algumas outras por ai, umas maiores, outras menores, mais curvas, menos curvas, mais doces e gentis, mais amargas e mais diretas. Algumas te exigem uma condição financeira mais avantajada, outras não ligam pra isso. Nenhuma vantagem, nenhuma desvantagem. Hipocrisia também seria dizer que são todas iguais, uma injustiça melhor dizendo. Mas ao longo dos anos, percebi que é uma tolice procurar “a mais isso, a mais aquilo”, quero dizer, você realmente precisa de tanto pra ficar satisfeito? Não meu amigo. Todas têm o mesmo poder, ora te jogam pra cima, no cume da montanha da felicidade, e a vida parece boa, ora te jogam no chão, te pisam, como lixo. Elas são assim mesmo, e nós precisamos delas. Bem talvez não. Alguns não precisam ou não as querem, mas quem se importa. Eu preciso, eu a quero, eu a desejo. Me volto a ela, a luz fraca ilumina suas curvas cada vez mais suadas. Consumimos-nos novamente, e novamente, e novamente e de repente tudo se acaba num clímax de prazer e satisfação, deixando aquela sensação de “quero mais”. Eu a contemplo mais uma vez. Que viajem! “Que viajem” eu repito. Eu devia era procurar uma mulher e largar esta garrafa de cerveja.


(Publicado originalmente em minha página no Facebook sob o título "Ela".)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Homem no Espelho

Eu o conheci numa tarde de Domingo, há alguns meses, mas quando o vi pela primeira vez, tive uma estranha certeza de que já o conhecia. A aparência familiar, o jeito, o sorriso, e principalmente, aquele olhar. O olhar de um homem que enxergar à frente, que mira o futuro, sem medo de seu passado. Passado que jaz sepultado no tempo, o cemitério dos cemitérios, que implacável um dia levará todos os corpos, mentes, sonhos, desejos e memórias, todos perdidos no esquecimento eterno. O tempo é mesmo cruel e insuficiente, mesmo para o mais sábio dos homens. Mas não é sobre o tempo que eu quero falar. Voltemos ao homem. Neste momento ele está em minha casa, estirado sobre a pia do banheiro, morto. Eu o matei. Calma! Não julgue antes que eu lhe conte a minha história. No final, você provavelmente vai me chamar de louco, mas eu ainda não perdi as esperanças de que alguém me compreenda.

De certa forma, estou aliviado que ele esteja morto. Porra! O que você queria que eu fizesse? O cara vem até a minha casa, sem ser convidado, me encara, me julga, me desrespeita, zomba de mim, na minha própria casa! Porra! Ele mereceu. E digo mais, eu devia ter feito isso antes, talvez na mesma tarde em que o conheci. Mas eu não fui capaz de perceber o que ele realmente era naquela tarde. Tivemos uma prosa agradável, me pareceu um cara bastante amistoso, sábio, apesar de novo. Estudado, com um trabalho respeitável, uma mulher incrível, meu pai teria orgulho de um filho como ele. Diabo! Qualquer pai teria orgulho de um filho como ele. Sabe aquele tipo de pessoa que você conhece e pensa: "Nossa, queria poder ser como esse cara."? Então, exatamente esse tipo de cara.
Achei incrível descobrir que a vida dele não tinha sido diferente da minha em muitos aspectos, apenas algumas decisões diferentes, um pouco de dedicação, e um pouco mais de sorte - embora eu não acredite nisso - e as coisas poderia ter sido diferentes para mim. No fundo eu já sabia disso, e na verdade, isso vale para qualquer pessoa. Tudo que você é e será um dia é resultado de como você leva a vida agora, não há o que reclamar. Mas nós reclamamos é claro, nós almejamos, nós invejamos. E eu confesso que o invejei. Acreditei que podia ser um cara melhor e tentei diversas vezes me espelhar no que ele era, e ele é claro, me apoiava. Poderia ter sido um grande amigo se não fosse um grande filho da puta, não se pode ter os dois juntos. E ele era um grande filho da puta, tentando me arrastar para seu mundo hipócrita e irreal. Eu percebi isso de uma maneira não muito ortodoxa devo admitir. Acordei com uma puta ressaca, e a primeira coisa que pensei - depois de conjecturar sobre as vantagens de ficar na vertical - foi que ele não faria esse tipo de coisa. E ai eu percebi o quão ridículo isto era, que não havia problema algum em não passar de um babaca, e que tudo aquilo que eu jurei que jamais seria, era exatamente aquilo que eu estava querendo ser: alguém como ele. Naquele momento eu percebi tudo, percebi que o filho da puta estava me matando aos poucos, matando meu caráter, matando meus ideais. Tive a impressão de que se todos caíssem nos planos e armadilhas dessa gente, a terra seria o lugar mais babaca do universo. Ou ela já é?... Então eu tive que matá-lo. Mas não se engane. Eu pedi cordial e educadamente que ele fosse embora, que me deixasse em paz, mas ele não o fez. Jogou toda aquela ladainha sobre o babaca que eu era, sobre as oportunidades que eu havia perdido e todas as que ainda perderia, e que eu nunca seria metade do homem que ele é. Então eu o matei com um tiro na cara. Num segundo ele estava no banheiro, me encarando e no outro o barulho ensurdecedor ecoou no meu ouvido enquanto ele caia em cacos sobre a pia e sobre o chão. Eu matei o homem no espelho. Ele ainda me encara, agora com mil olhos, e agora eu vejo que nunca houve futuro nesses olhos, apenas o passado se lamentando por tudo que poderia ter sido. Eu chutei um dos cacos do espelho e disse na esperança de que tenha sido a última coisa que ele ouviu:
- VOCÊ nunca será metade do homem que eu não sou.