quinta-feira, 19 de maio de 2011

Efeito Dominó

Poderia ter sido um dia normal, como outro qualquer. São 22h53min agora. O celular arremessado contra a parede descansa em frangalhos no chão. Amanhã vou ter que comprar outro e o fogão novo vai ter que esperar mais um mês, assim como a calha do telhado, que se foi durante uma tempestade. Mas que se foda, essa merda tem estado assim há anos mesmo. Eu poderia comprar umas caixas de cerveja e fazer uma puta festa com esse dinheiro, mas estamos no século vinte e um, e na era digital ninguém vive sem um celular. Preciso entrar em contato com alguns clientes e meu chefe precisa me ligar na hora do almoço para garantir que eu passe o resto do dia irritado, não deve haver outro motivo.
            Acordei às cinco e meia da manhã ao som de "Carry on Wayward Son", Kansas, e me coloquei aos afazeres matutinos que precedem a minha ida ao trabalho. Moro na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Campo Grande, a 54,5 quilômetros do centro da cidade, onde trabalho. Realizo o trajeto diariamente a bordo de um ônibus do tipo "frescão", com ar refrigerado, cortinas, poltronas reclináveis e o caralho a quatro. Coloco os óculos escuros para diminuir a claridade das janelas que os outros passageiros teimam em deixar abertas para lerem jornais vagabundos, e vou dormindo ao longo das aproximadas duas horas de viagem, na tentativa de compensar o tempo que não tenho para dormir em casa. Fica difícil fazer isso devido à distância do trabalho e ao curso noturno na faculdade. Antes de pegar o frescão e pôr fim ao intervalo do meu sono, pego um ônibus para o centro de Campo Grande, totalmente oposto ao frescão. Demorado, caro, pequeno e lotado e fodido. Coisas do subúrbio. Eram seis horas da manhã e lá estava eu esperando o ônibus. A manhã estava um pouco fria e ventava forte, talvez chovesse mais tarde - como descobri que aconteceria. Dez minutos depois avistei o tal ônibus dobrando a esquina, e realizei um ritual de conferência de objetos, chaves, carteira, celular. Celular. Foi ai que a coisa começou eu acho. Levei a mão ao bolso e percebi que meu celular - aquele mesmo que agora se encontra destruído em frangalhos no chão - não estava lá. Pensei rápido e para a minha infelicidade resolvi que voltaria em casa para buscá-lo. Não poderia ser tão ruim, me atrasaria no máximo dez minutos, nada que fosse um problema. O resultado foi que passei meia hora esperando outro ônibus e quinze minutos depois estava dormindo no frescão, rumo ao centro da cidade. Acordei com meu celular tocando e, ainda desorientado pelo sono, atendi meu chefe que nem me disse um maldito bom dia.
- Onde você está? - ele perguntou.
- Estou no ônibus, logo estarei ai.
- Você sabe que horas são?
Não fazia a menor idéia. Limpei os olhos cheios de remela, olhei o relógio com a visão embaçada, e identifiquei que já passava das nove e meia da manhã.
- É eu vi. É o trânsito chefe, você sabe como é - sabe porra nenhuma - mas logo estarei ai, fique tranqüilo.
- Ok.
E desligou. Olhei pela janela e ainda estava na Avenida Brasil, a artéria que leva as células trabalhadoras ao coração da cidade, entupida dessa nicotina de carros, ônibus e vans em excesso, um câncer no organismo vivo da cidade, que pensando bem, não passaria de uma massa orgânica amorfa e escrota se fosse realmente viva. O Trânsito permaneceu lento, pra não dizer parado, agravado pela leve chuva que começara a cair. Descobri mais tarde que, além disso, um caminhão havia tombado e congestionado o trânsito. Descobri mais tarde também, conversando com um amigo que faz o mesmo trajeto, que meia hora antes, teria evitado o congestionamento. Isso lembra alguma coisa?
            Cheguei às dez e meia da manhã no trabalho, com cara de sono, e entrei numa discussão com meu chefe, sobre meus atrasos. Confesso que não tenho uma pontualidade muito precisa, mas o que posso fazer? Dependo do maldito trânsito, e a Av. Brasil é uma caixinha de surpresas. Meu chefe não quis saber da história do caminhão, e me deu um ultimato: Se eu chegasse meia hora atrasado a partir daquele dia, estaria demitido. Como não me restavam opções, fui trabalhar normalmente. Reduzi meu tempo de almoço e saí às 19h30min do trabalho, demasiadamente atrasado para a aula. Peguei o trem às 19h46min, e se tudo corresse bem, em meia hora estaria na faculdade. Mas as coisas não correram bem. O Trem quebrou entre duas estações e, a única solução foi descer do mesmo em meio aos trilhos e, embaixo de chuva, andar até a estação mais próxima. Naquela altura do campeonato, atrasado, molhado, e puto, mandei a aula pro caralho e resolvi que iria direto pra casa. Segunda feira é dia de buscar minha namorada, no curso inglês e teria que sair mais cedo da aula mesmo, aproveitaria pra tomar um banho e descansar um pouco. Esperei por meia hora até que outro trem aparecesse, provavelmente devido à obstrução dos trilhos causada pelo trem anterior. A viagem prosseguiu sem problemas durante a meia hora que se seguiu, até ser interrompida novamente devido a “problemas técnicos”. A linha de trem do ramal Santa Cruz atravessa algumas regiões favelizadas da cidade, onde há concentração de criminosos e traficantes, que estão sempre disputando território. Hoje foi dia de disputa em Padre Miguel, e como os confrontos acontecem nas imediações da linha do trem, o mesmo foi forçado a parar e esperar até que todo aquele bando de filho da puta se matasse. Ficamos esperando por vinte minutos no meio do nada, trancados dentro do trem, aguardando o prosseguimento da viagem ou alguma satisfação pela demora. Nenhuma das duas veio, e o trem retornou a estação anterior, liberando os passageiros para irem pra casa da maneira que bem entendessem, e foda-se o dinheiro já gasto na passagem. A essa altura, já não seria nem mesmo possível ir buscar minha namorada no curso, e decidi ligar para avisá-la. Retirei o celular do bolso apenas para descobrir que a bateria havia acabado. Mas que inútil filho de uma puta! Procurei telefones públicos na estação e encontrei dois deles, ambos inúteis. Um deles havia sido vandalizado, o telefone arrancado, sobrando apenas o fio solitário pendendo na cabine e os anúncios de travestis do tipo "quase mulher" colados na mesma. O outro telefone simplesmente não funcionava. Esperei. Minha namorada não. Cheguei em casa ainda a pouco, e tive uma briga com ela, que desligou na minha cara. Atribuí imediatamente a culpa ao celular, e atire-o contra a parede, deixando-o em frangalhos como havia dito anteriormente. Enchi uma taça de vinho, tomei um trago, sentei-me na poltrona e fiz um retrospecto dos eventos. Fui acusado de ser um irresponsável pela minha namorada, após ter ficado horas preso num maldito trem, enquanto bandidos tentavam abrir um segundo cu uns nos outros, estando eu totalmente molhado devido a caminhada pelos trilhos, culpa de um trem avariado, além de ter perdido aula, e ter sido ameaçado de demissão em caso de atraso. Contemplei o celular estraçalhado no chão, e lembrei-me que ele era meu único despertador. Parece que amanhã será um longo dia.

Um comentário:

  1. C'iest la vie, uma merda atrás da outra num banheiro público sem papel higiênico.

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