A imagem no espelho pouco me agradava. Se por um lado os
cabelos incomodavam pelo volume exagerado, cultivado pela preguiça e pelo
alcoolismo, a barba falha parecia vegetação do agreste brasileiro: rala,
pequena e esporádica. Nada bonito. Foda-se também, não tinha pra que estar bonito.
Aliás, quem foi que definiu o que é bonito? Mas o fato é que eu me incomodava.
Peguei as chaves, entrei no carro e fui até a barbearia dar um fim aquilo. O
ambiente era típico de uma barbearia. Portas de vidro, iluminação abundante,
ventilador de teto girando lentamente, bancos em madeira precariamente
estofados, ocupados por velhos aposentados e descompromissados, lendo jornais
do dia, revistas do mês anterior e conversando sobre assuntos do século
passado, apenas aguardando a hora de comprar pão para o café da tarde. Acho que
é a única coisa que importa o final, a hora do pão, do jornal, do remédio e da
morte. O barbeiro, Sr. Machado, chamado de Seu
Machado, estava desocupado. Era um senhor, já no auge dos seus quase setenta
anos, estatura baixa, óculos fundo de garrafa, calça cargo e camisa social,
barriga colossal, ranzinza embora de poucas palavras, mas extremamente
habilidoso na arte do aparo de pelos. Seu
Machado me fez um sinal para que eu me sentasse, o que eu fiz cumprimentando-o
com aquele aceno de cabeça em sentido positivo, que inclui todas as
formalidades possíveis - "Oi, tudo bem?", "Ah, tudo certo
também" - em um único gesto. Questionado sobre o corte, disse a Seu Machado que seria "o de
sempre". Ele prontamente iniciou o trabalho e, não muito depois, o serviço
já estava concluído. Preparava-me para levantar-me quando Seu Machado perguntou:
- Não quer
fazer a barba?
- Ah não -
respondi - não precisa não.
- Se quiser,
faço de graça pra você, o que acha?
Nunca havia feito a barba na barbearia, por mais irônico que
essas palavras possam parecer - e nunca tornei a fazer após aquele dia - e de
fato, estava uma merda. Pensei, "de graça, qual o problema?" e
aceitei a proposta. Seu Machado
acenou, chamando alguém, e do corredor surgiu um rapaz que, não demoraria
muito, eu descobriria ser o problema. Era um rapaz magricela, esguio, cabelos
bem curtos de cor avermelhada. O rosto era marcado com centenas de pequenas
manchas típicas nos nascidos ruivos. Era difícil julgar sua idade. Poderia ter
pouco mais de vinte anos ou já estar na casa dos quarenta, mas a insegurança e
a forma deselegante como a roupa social lhe caía - e elas ficam facilmente
deselegantes nos jovens - me fazem acreditar que não chegava aos trinta. Seu Machado me comunicou que ele quem
faria o serviço e não vi problema até ser tarde demais, quando Machado começou
a orientá-lo e caiu a ficha de que o indivíduo era um aprendiz. O rapaz
inclinou minha poltrona e aplicou o creme para barbear em minha face. Afastou-se
até o balcão próximo e começou a preparar a navalha para o serviço,
substituindo a lâmina por uma lacrada. E então, sem sutileza ou habilidade
alguma, a lâmina fria encontrou minha pele pouco abaixo do olho direito e
descreveu o primeiro dos incontáveis e intermináveis arcos de corte. O terror
começou quando a mente começou a divagar sobre aquela situação. Ali, sentado em
uma cadeira inclinada, com uma luz ofuscante sobre os olhos, e a imagem de um
homem desconhecido com uma navalha na mão aproximando-a da minha face em
movimentos imprecisos e inseguros, a sensação era similar à de estar sobre uma
mesa de cirurgia, só que o cirurgião, não tinha a menor ideia do que estava
fazendo. Sobre minha pele ligeiramente espinhosa, a lâmina percorria caminhos
tortuosos enquanto o rapaz tentava desviar das protuberâncias que certamente
causariam sangramento. O rubor e o calor subiam à minha face à medida que o
metal raspava repetidamente os mesmos locais, aumentando o desconforto e a
tensão. Era interminável. O pior ainda estava por vir, quando o objeto afiado
finalmente encontrou meu pescoço. Sobre as rígidas formações da traqueia e do
pomo-de-adão, era possível perceber milímetro a milímetro a pressão inconstante
exercida pela lâmina. Como era possível se submeter a isso? Ter a vida nas mãos
de outro homem por tão pouco. Ter a vida no fio da navalha. Um pequeno erro, um
descuido, uma força a mais, um esbarrão, uma picada de inseto, qualquer coisa,
e a tragédia seria inevitável. Era como estar sentado à cadeira de Sweeney
Todd, o barbeiro demoníaco. Não tardou até que o sangue vertesse através do
buraco de uma espinha acidentalmente retalhada e o vermelho preenchesse o
branco do creme de barbear, alimentando o devaneio. A respiração cessou com a sensação de dor
imprimida pelo corte, meus punhos se cerraram sobre os braços da cadeira, a mão
do barbeiro enrijeceu e a expressão misturada de surpresa e culpa subiu à face
do rapaz, moldando-a na cara de quem fez merda.
Aí a voz de Seu
Machado voltou a ecoar no recinto, esbravejando, perguntando se o rapaz era
médico para arrancar pedaço dos outros, enquanto tomava a ferramenta das mãos
do aprendiz para terminar o serviço, o que para mim, foi um alívio. Pouco tempo
depois, abandonei a barbearia sob pedidos de desculpas por parte do Sr.
Machado, entrei no carro e rumei para casa. No caminho, vi pessoas confiarem
suas vidas a motoristas de ônibus, taxistas, pilotos de avião, fabricantes de
automóveis, barbeiros. Nunca entendi de verdade esses aspectos das relações
sociais da raça humana, essa confiança subconsciente que depositamos no próximo
mesmo sabendo que o outro é tão humano quanto nós e, portanto, falho. É
incrível como, com um senso de autopreservação tão deturpado, a espécie tenha
perpetuado ao longo dos anos. Somos todos suicidas. Estamos todos vivendo no fio da navalha.